domingo, 24 de junho de 2012

A Arquitetura do Labirinto

 Somos criaturas estranhas. Quando queremos alguma coisa, não basta levantar e pegar. Temos medo, medo de chegar ali, de tropeçar no meio do caminho, de chegar lá e ter perdido aquilo, mesmo que esteja a milímetros de distância. Então inventamos jogos, universos paralelos, regras que não existiam, estradas recurvas que dariam no mesmo lugar se fossem retas, para tentar alcançar aquilo de outro jeito.
 No final, nos perdemos tanto nesta invenção, que esquecemos por que ela sequer foi criada. E a maçã apodrece em cima da mesa.


sábado, 23 de junho de 2012

Penas

Sempre fui fascinada por penas e pássaros.

   O passado da caneta, a pena, vem de dois fascínios que sempre me reteram; seja das pás tênues e coloridas que fazem aves e anjos alçarem vôo, seja daquela que porta no bico a tinta, ambas descrevendo arcos sinuosos, no céu ou no papel, fazendo a imaginação pairar, planar, decolar.
   Há penas de mil cores ou monocromáticas, listradas, manchadas, estampadas. Há as de cauda, as de vôo, as de corpo. As que iniciam o vôo, as que sustentam, e as que pousam. Cada uma tão parecida com a outra e ainda assim tão diferente; penas têm penas, que mantém unidos aqueles folículozinhos que fazem de muitos fios um leme. Palavras, palavras no ar cheias de palavrinhas que dão nexo às histórias de que tanto nos valemos. Sem história somos nada. Somos viver e morrer, sem palavras; assim como o pássaro de penas cortadas que não alcança o céu, não alcançamos motivo de viver sem o nanquim que derramam pacientemente as penas.
   Vivendo e morrendo deixamos as marcas, as marcas nos papéis, nas pedras, nos caminhos que traçamos . Enquanto vivem e voam, os pássaros nos doam estas maravilhas que nos permitem deixar estas marcas.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Batalha Encerrada, Guerra Iniciada

Olha só, faz um ano e quatro dias que não escrevo aqui. Que mau exemplo não?
Verdade seja dita, quase não escrevi muito de qualquer modo. Vou garimpar umas coisas pra postar aqui depois, mas agora vou colocar aqui um texto que escrevi há alguns dias. Começei mais um mas não acabei ainda, talvez por falta de coragem de encará-lo, uma briga que eu queria brigar faz tempo mas não conseguia. Então vou adiar a briga pra depois e postar a batalha agora.
Às vezes me pergunto se alguém lê isso tudo, e se faz sentido de qualquer maneira...

Enfim.

-----

Regina sem súditos


Retumbam na minha porta com toras, com piche, com lanças, espadas, ódio, escárnio e determinação os homens e mulheres da guerrilha. Ressonam e insistem com baques surdos, e as cintas de ferro do portão laceiam, e a madeira se solta e vai cedendo aos socos e rufos do arrombador.  E sei que só eu espero do outro lado, aguardo o cair das lascas, o piche escorrer muros adentro, o fogo alastrar as vilas e arrastar para além meu pensamento.
Esta batalha de anos que lutei mais colocando pessoas fora dos muros do que as recturando para dentro; essa patética epópeia em que me convenci de que lutava por algo quando a cidadela não tinha população, me isolando com cercos de pedra, flores e papel que me afastava de um vil sofrimento. Há sofrimentos maiores, há guerras maiores e maiores reinos, mas era este o meu, e eram agora meus muros solitários que iam lentamente sendo transpassados.
Entrego então meu destino aos muros, jardins, armadilhas, portais, casas e castelo que construí durante décadas. O material veio sempre do estrangeiro, de fora, mas escolhi onde os colocava, o que fazia com cada semente, com cada naco de terra que me entregaram. Me abriram um rombo na terra e vi que ali podia ainda haver solo fértil. Quando algo aparecia, eu recolhia sob meus braços e transformava em algo meu.
Sei que os muros e as casas e todo o reino irá ruir em breve sob os passos tamboris deste novo tempo que irrompe em meu lar e minhas portas. E fico feliz de ver gente, mas não de vê-los agir das formas que nunca quis ver, das maneiras pelas quais acabei me isolando deste mundo vil.
                E depois que o incêncio acinzenta, depois que a soleira desfaz, depois que cada fio de veludo foi desfiado e desprezado, depois que os homens partiram com os espólios da vitória de uma batalha que mal precisaram lutar, restava eu, a armadura do corpo, e a espada, em meio à praça destruída, dada por morta, desfalecida, sem enterro, sem chamas, sem funeral, sem respeito.
                E quando parecia que ao menos o silêncio me havia sido restituído -  apesar dos telhados que ainda crepitavam – uma presença se aproximou de meus pés e uma sombra interrompeu a sentença do sol.
                E uma garota, tão apenas uma garota, como a que eu fora um dia, num vestido de linho sujo, olhou para mim com este olhar que não era lançado, mas deitado sobre mim como um véu, um lençol, como se me entregasse um manto de conforto e paz. E pos sobre meu peito metálico a rosa vermelha e espinhosa de meu sangue.
Foi-se embora a garota e eu não ousava levantar dali, que enfim aquela vida avassaladora morria, e so me levantaria dali quando meu espírito renascesse e Thaumas viesse erguer meus brancos panos.
A.G
09/06/2012